sábado, maio 09, 2009

pdv (mais uma versão)

Na cidade uma rua.
Na rua uma casa, um quintal.
No quintal um poço.
No poço água e sal.

sábado, maio 02, 2009

processo deslocado e vão

Há dias uma espécie de angústia insiste em rondar a minha casa. Talvez ela já estivesse por perto, discreta, escondida nos meses que se passaram, nos anos que se passaram. É possível e até provável que sua presença já tenha sido notada antes. Uma, duas, quarenta e oito vezes. Apenas sombras, vultos na memória. Daqui de onde estou, se tento apelar para as lembranças ou observar o seu legado, parecem insignificantes. Certo é que agora ela se mostra despudorada. Abdica da sombra e se exibe vaidosa. Suponho que ela tenha se cansado de ser ignorada e finalmente percebeu que é preciso mais vigor para penetrar em paredes tão reforçadas, planejadas a partir de técnicas sofisticadas de engenharia, censura, arquitetura, psicanálise, medo, paralisia, candomblé e carnaval. Tudo isso, todo esse planejamento, feito por mim, com muito rigor e com a valorosa colaboração de alguns outros especialistas orgulhosos ou não dos seu respectivos cursos por correspondência. Todos nós, juntos, num esforço necessário de reforçar paredes, inventamos um projeto.
Hoje, seqüência lógica daqueles dias, meses, anos que se passaram, admito, ao ver as rachaduras, falhas no cálculo. E é exatamente atravessando, os poros, as fendas, as falhas, que a invasão acontece. Ela, aquela espécie de angústia, além de se instalar confortavelmente, toca castanholas no meu ouvido, canta desafinado, sapateia, tira a roupa num espetáculo dantesco, passeia sem constrangimentos por todos os cômodos. Tenho acompanhado sua estada, vigiado cada passo, cuidado para que ela não se sinta dona, contudo tenho sido um anfitrião razoavelmente cortês. Já que ela está aqui e ainda não decidiu quanto tempo permanecerá, venho tentando uma aproximação pacífica. Estou intrigado e quero respostas. Talvez, justamente ela, me ensine a reforçar as paredes ou me convença a derrubá-las. Sim, isso também é possível.
Ouvi histórias diversas a respeito desse tema, experiências interessantíssimas. Gente que não se preocupa com paredes. Moradores de casas tão amplas que seriam incapazes de notar a presença de qualquer das espécies. Mesmo as das mais audaciosas, que tocam castanholas, sapateiam e que usam sua escova de dente.
Relatos ocasionais dão conta de identificar outro tipo de gente. Aquele tipo que ao perceber a presença de alguma coisa semelhante a isso que tento descrever, não deixa que entre. Parede erguida. Posição de ataque. Observa a visitante inimiga, calcula a distância segura e num golpe, num único golpe, desintegra a estranha. Não se sabe de que matéria foram feitas essas casas, a espessura das paredes, qual o golpe desferido, muito menos a distância segura. Nenhuma garantia de que a espécie em questão estivesse preparada para o combate ou de que era de fato inimiga. Não lhe asseguro de que essa seja uma história verdadeira. Ninguém até hoje conseguiu me convencer. Não conheci nenhum representante dessa gente. Ninguém que tenha repetido o feito. Se é que foi feito.
Em compensação, as experiências interessantíssimas mais comuns, são as de uma gente que rejeita, briga, desfere muitos golpes, muitos mesmo, de yoga, de lícitos e de ilícitos, de lâmina e de asas, de verbo, muito verbo, de cooper, de circo, de mestre, e que mesmo assim, muitas vezes exaustos, recebem a visita e passam a ser reféns da tal.
Não quero cansar e sei que descansar é um risco.
Dentro daquela proposta de paz e de cortesia, alimento aquela coisa, a espécie de angustiazinha, com esses pensamentos que dão margem, com essas vontades/quereres que dão margem. Então insisto no fato de estar intrigado e querer respostas. Faço muitas perguntas, duvido das conclusões, permaneço circulando, rodando, voltando, ração e mais ração. Depois de farta, a coisinha espécie angustiante cochila.
Fantástica descoberta. A espécie que me visita e me invade cochila e me dá tempo para descobrir um novo golpe, para levantar ou derrubar algumas paredes. Cálculos, planos,projetos. Ela vai acordar, sapatear, gritar desafinado. Talvez mais frágil, ou antes o contrário. E quando isso acontecer, e eu não faço idéia de quando isso acontecerá, puxo ar e convido para tomar um café.
Mais uma vez, a quadragésima nona ao que parece, pacientemente se for possível, tentarei entendê-la.
Quem sabe um dia....